O que é precioso se tutela, protege, guarda!

25/04/2023

A icônica imagem de Michelangelo, na Capela Sistina, na qual o Criador se aproxima e estende a mão para tocar o dedo do ser humano, é o retrato do agir de Deus que quis ser amigo da sua criatura. Se parássemos aqui já seria fascinante! Todavia, Deus quis nascer entre os homens. Foi além da amizade, ofereceu aos homens e mulheres a possibilidade de se tornarem filhos no Filho. O Senhor Jesus afirmou que quem guardasse a sua Palavra Ele e o Pai viriam a essa pessoa e nela fariam sua morada, o que a teologia define como “inabitação divina”. Assim, o ser humano, passa de criatura a amigo, de amigo a filho e de filho a santuário da divindade. Daqui brota o princípio da dignidade da pessoa humana para o cristianismo.

 

Causa perplexidade o fato de haver quem profane o sagrado, quem toque nas crianças de maneira contrária ao toque sagrado que Jesus tinha para com elas. Os dados do, então, Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos são chocantes - 17 mil ocorrências em 2019. As estatísticas apontam para o fato de que, em aproximadamente 75% dos casos, o agressor é alguém próximo da vítima, da família, da escola, do clube, de uma instituição religiosa.

 

Doença? Transtorno de comportamento? O que leva um adulto a praticar tais atos? Pode esse adulto viver em sociedade? Como proteger, como prevenir as crianças e os adolescentes? As respostas não são simples. Esse fenômeno precisa ser abordado de forma transdisciplinar.

 

Neste sentido, a pedido do Papa Francisco, a Igreja Católica criou Comissões interdisciplinares, para tratar da prevenção, para acolher, acompanhar as possíveis vítimas e encaminhar as denúncias (na esfera canônica e civil). Desde fevereiro de 2020, a Arquidiocese de Porto Alegre conta com a Comissão Especial de Promoção e Tutela de Crianças, Adolescentes e Pessoas Vulneráveis. Doze profissionais de distintas áreas que assumiram a causa da Prevenção. Foi e é um trabalho pioneiro, totalmente novo, fez-se necessário criar, desbravar.

 

Fazendo um balanço do primeiro triênio da nossa Comissão pode-se dizer que se procurou estudar o fenômeno, reunir bibliografia, participar de cursos, simpósios e fóruns online (PUC México, Gregoriana de Roma, PUCRS), debater e estudar entre os especialistas membros da Comissão. Esses debates que perpassam as distintas áreas (psiquiatria, psicologia, direito, pedagogia) são riquíssimos.

 

Registre-se que a minha dissertação de Mestrado em Direito Canônico foi a primeira no Brasil sobre o tema. Igualmente buscamos ampliar a rede de contatos com os órgãos públicos (MP, Polícia Civil, Polícia Federal, Ministério dos Direitos Humanos, Conselhos Tutelares), ONGs e outras Comissões da Igreja. Produzimos um manual com fundamentação teórica e com orientações para o agir nas inúmeras pastorais e grupos que tratam com crianças e adolescentes (cerca de 500 livretos foram distribuídos gratuitamente às lideranças de nossa Arquidiocese, aos superiores de congregações religiosas, aos diretores das escolas católicas).

 

Nosso canal de denúncias tornou-se ainda mais conhecido (tutela@arquipoa.org.br e WhatsApp 51 99733-4957). Neste período prestamos assessoria a outras dioceses do RS e ao menos três congregações religiosas.

 

Durante o mês de maio de 2022, a nossa Comissão esteve nas áreas pastorais e vicariatos, abrangendo os 29 municípios que compõe a Arquidiocese. Ofertou-se o primeiro ciclo de capacitação em prol da cultura de prevenção, o público-alvo deste ciclo foram os padres, alcançou-se 203 sacerdotes, que, por sua vez, são multiplicadores em suas comunidades.

 

A existência do fenômeno dos abusos, quebrar o tabu; os sinais que podem ser indicadores de que uma criança ou adolescente dos nossos grupos esteja sofrendo tal agressão; os canais de encaminhamento e de denúncia; bem como, o protocolo de orientações de conduta para o agir dos nossos agentes de pastoral; fizeram parte do conteúdo deste ciclo. Além do clero, ofereceu-se a Capacitação aos assessores de coroinhas e acólitos em âmbito arquidiocesano.

 

Neste primeiro trimestre de 2023, pretendemos levar a capacitação para as lideranças que atuam com adolescentes nos nossos grupos de jovens e no segundo semestre para os funcionários e colaboradores da entidade. Ainda há muito a ser feito, somos gratos pelo primeiro triênio e agradecemos tanto a disponibilidade dos membros em continuar conosco, quanto do nosso Arcebispo em confiar no nosso trabalho.

 

Tudo isso porque o que é precioso se tutela, se protege, se guarda: a vida das crianças.



Autor:
Pe. Fabiano Schwanck Colares

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