Desafiados ao diálogo

18/02/2021

Os cristãos são chamados a viver coerentemente o amor a Deus e o amor ao próximo. O tempo da Quaresma representa uma oportunidade privilegiada para avaliar a intensidade do exercício do amor. Não é suficiente cultivar uma formalidade marcada por esteticismos; é necessário que o exercício seja intenso e metódico. Por isso, a Igreja do Brasil exorta suas comunidades a cultivar o diálogo com Deus e entre pessoas que se reconhecem como tal, qual exercício de amor.

O diálogo pressupõe capacidade de silenciar para colher aquilo que o outro está querendo expressar. Sem silêncio e capacidade de escuta, o diálogo é impossível. Diálogo é distinto de discussão. Na discussão, se parte de diferentes posições, eliminam-se as diferenças, para que, ao final, se alcance unanimidade numa posição comum, aceita por todos que nela participam.

O diálogo implica disposição para movimentar a própria posição, ceder, dar lugar, questionar a si mesmo, vivificar as próprias palavras e conceitos. Para dinamizar espaços de diálogo, é necessário, por vezes, abandonar a própria posição e fixação das palavras para se dispor à atitude do servo inútil, isto é, daquele que não faz reivindicação da sua posição, defesa dos próprios conceitos, mas se dispõe a realizar o caminho, e se abre para acolher a Verdade, não simplesmente como gostaria que ela fosse, mas como a vida mostra e ensina.

O autêntico diálogo é um itinerário de busca e iluminação, de gestação e de libertação. Ele se caracteriza pela serenidade de duas pessoas que procuram a verdade. Pode também ter a peculiaridade da verdade que se coloca como a luz, e a mentira que se opõem; é o encontro-desencontro entre a oferta e a rejeição da vida. Este é o caminho da fé, como se pode colher em vários relatos evangélicos.

Para quem se empenha em testemunhar a fé no cotidiano, a pergunta que sustenta toda forma de diálogo traz a marca da antropologia cristã: o que está em questão mata ou vivifica o ser humano?

Numa sociedade em que se verifica a deterioração da ética, a exacerbação do individualismo sem conteúdo e a autorreferencialidade, o enfraquecimento dos valores espirituais e do sentido de responsabilidade, se impõe a necessidade de espaços de diálogo para superação dessas situações, sobretudo para resgatar a importância de Deus no convívio social e da dignidade do outro.

Exasperações, exacerbações e polarizações não conduzem a lugar algum. Elas são as armas para alimentar controvérsias e contraposições, cujo único objetivo é desqualificar e eliminar o outro.

A Quaresma, através de suas práticas tradicionais do jejum, da esmola e da oração, oferece uma oportunidade para o resgate da importância do diálogo, qual caminho para a construção de uma sociedade justa e fraterna.



Autor:
Por Dom Jaime Spengler, arcebispo metropolitano e primeiro vice-presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

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