Vidas importam

24/06/2021

Há quem diga que o mundo está virado do avesso. Vivemos um tempo novo no qual a incerteza parece se impor. De repente, de um dia para outro, caíram por terra um conjunto de convicções duramente construídas ao longo dos últimos decênios.

A ciência contemporânea, marcada por orgulho e prepotência, capaz de inventar um mundo paralelo ou virtual, proporcionar a clonagem humana, conceber a inteligência artificial, desejosa de tudo controlar, procurando caminhos para a saúde perfeita e almejando superar o desafio da morte se viu confrontada com um vírus perigoso e mortal.

Diante da pandemia do novo coronavírus, cientistas em seus laboratórios, sustentados por muito dinheiro, deram início a uma corrida contra o tempo e contra o vírus. Num tempo recorde, se conseguiu produzir vacinas que, aos poucos, vão sendo disponibilizadas para a população.

Contudo, no atual ritmo de vacinação, não se vislumbra, a curto prazo, um caminho de superação da tragédia que continua vitimando brasileiros. Tudo é ainda muito incerto.

“Diante de nossos olhos se esvanece, feito fumaça, o paradigma civilizatório que nos moldou ao longo dos últimos 200 anos – que somos senhores da criação, podemos fazer tudo e o mundo nos pertence” (O. Tokarczuck). Infelizmente, se pode constatar a continuidade de “uma profunda escuridão sobre nossas praças, ruas e cidades. (...) Estamos frágeis e desorientados, mas ao mesmo tempo somos importantes e necessários, todos convocados a remar juntos, cada um precisando confortar o outro” (Papa Francisco).

Por um lado, a morte de 500 mil brasileiros requer o silêncio respeitoso e as preces dos que têm fé. De outro, é necessário, nobre e digno o reconhecimento pelo empenho de tantas pessoas, em distintos espaços da sociedade, que colaboram no enfrentamento dos desafios que a pandemia impõe a todos; sinal de espírito humano e cívico.

Vidas importam! As vidas perdidas nesta tragédia da pandemia do novo coronavírus, marcada também por omissões, negligências, vaidades e interesses mesquinhos, não serão esquecidas.



Autor:
Por Dom Jaime Spengler, arcebispo metropolitano e primeiro vice-presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

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